Hermanas | POY Latam

Um olhar poético que descreve sobre quem é esse projeto. As quatro irmãs, meu avô e minha avó. “Minha mãe teve que partir um dia, na década de 1950, para procurar outra história, quando meu avô decidiu que suas quatro filhas tinham que “ganhar a vida” em outras terras… essas terras estavam em outra província: Buenos Aires. Por isso, minha mãe voltava sempre que podia, para onde estavam seus afetos e lugares, e quando eu nasci, voltamos juntos.

Fotomontagem. O passadiço que atravessa a linha férrea é e foi um ponto de encontro dos habitantes da Lagoa Paiva. A imagem liga o passado e o presente. Coloca as irmãs no seu lugar, na sua aldeia, como se nunca tivessem partido. “A primeira Ceferina, a mais velha, chegou a Buenos Aires. Veio casada, como era de esperar na altura. Pouco depois, o meu avô meteu Belkis, a minha mãe, no comboio; trouxe-a para Buenos Aires com um diploma da escola primária, um diploma brilhante de dactilógrafa e um coração triste que não queria deixar a velha. Depois Elva, que era mais velha do que Belkis, mas foi a terceira a entrar no comboio com o meu avô. Não queria deixar o “Paiva”, como chamava à sua terra natal, mas a sua alma já estava dividida em duas, por isso foi ter com as suas irmãs. Na plataforma, amigos, família e o sonho de ser professora. Algum tempo depois, Teresita, a irmã mais nova, chegou para se juntar às outras três”.

Fotomontagem com uma fotografia de arquivo. A praça, local obrigatório para passear à tarde e encontrar-se com os amigos. “Teresa é a mais nova das irmãs. Quase de outra geração. A filha da velhice, como se costumava dizer. Não gosta de fotografias, não gosta de guardar recordações, segundo ela é como estar “presa” ao passado. Não concordo com a questão das fotografias, mas cada um é livre de querer esquecer o que quiser. Quando ela era criança, teve de viver um período diferente do dos meus avós. Já quase não se falavam, ele queria enturmar-se com a única que não tinha passado e sofrido a sua presença e ausência.

Elva tinha a idade de Ceferina. Sempre com o rosto franzido, às vezes parecia zangada, mas acho que era apenas muito pensativa. “Em miúda, era a melhor da escola, queria ser professora, mas não pôde continuar os estudos, eram muito caros. Em Buenos Aires, casou-se e separou-se num piscar de olhos. Não teve filhos. O ex-marido voltou a casar-se. Nunca mais teve um companheiro. Alguns recordam que, por vezes, cumprimentava o marido apertando-lhe a mão. Apesar de a sua vida ter sido marcada pela solidão, guardou cuidadosamente o seu vestido de noiva. Agora que Elva já não está entre nós, o vestido permanece intacto.

O nosso nome, as letras que o compõem, as suas iniciais. Fazem parte da nossa identidade. Tentei descobrir as minhas raízes, perguntando à minha mãe e às minhas tias sobre os meus antepassados, e perdi-me entre tantos apelidos paternos. Os apelidos maternos existem? Parece que não, todos os nossos apelidos são herdados dos homens. Por conseguinte, as mulheres não têm apelidos próprios.

Baptizada com o nome da santa do seu nascimento, era a mais velha das quatro irmãs. Por esse motivo, teve de estudar corte e costura, embora não gostasse. Chega a Buenos Aires casada. O seu marido trabalhava no serviço prisional e foi-lhe apresentado pelo seu próprio irmão. Tem dois filhos, chamados Mirta e Carlos (como o pai). “Cefe” gostava de ler romances, embora o meu tio não parecesse nada romântico… pelo contrário. Quando ia a casa dele, ficava sempre impressionada com o cuidado que tinha com as plantas, ele gostava muito delas, e também mantinha tudo super limpo e arrumado. Ela adorava gatos, tinha sempre vários, com nomes como Michi ou Negrito. Os gatos são uma óptima companhia

A minha mãe em Laguna Paiva. Na nossa última visita juntas em 2022. “Estamos a chegar. Os nossos passos ecoam no longo corredor da casa do meu tio, e o cheiro a manhã fresca e a mate cocido diz-me que estamos em casa. A surpresa de chegar sem avisar é a melhor coisa. Os abraços, a alegria de toda a gente. Era o regresso a casa para a minha mãe e para mim que, com 4 ou 5 anos, partilhava a alegria do regresso como se fosse a minha.

Quando a minha avó morreu, a minha mãe guardou todas as cartas que tinha enviado à minha avó, bem como as cartas que tinha recebido dela.

Nos últimos tempos, a violência baseada no género, a incapacidade das mulheres de tomarem decisões sobre o seu próprio corpo e a desigualdade entre homens e mulheres tornaram-se mais relevantes no debate público. As análises apontam o patriarcado como um dos pilares fundamentais na geração e naturalização destas atitudes ao longo das gerações.

O projeto conta a história de quatro irmãs (uma das quais é a minha mãe) que viviam em Laguna Paiva, Santa Fé (Argentina) e que, forçadas pelo interesse do pai em que elas se casassem e procurassem trabalho longe da aldeia, deixaram a sua casa, a sua mãe e os seus amigos para começar uma nova vida na cidade de Buenos Aires.

As histórias de vida das quatro irmãs, marcadas pelo patriarcado, e as consequências do mesmo: o desenraizamento, a distância, a procura de uma nova pertença, a repetição dos ditames do passado e a nova vida para a qual abriram caminho, com as suas forças e fraquezas, e sobretudo com a união que as quatro sempre tiveram, são os temas abordados no desenvolvimento do trabalho.
Este projeto incluiu uma viagem com a minha mãe de Buenos Aires à sua terra natal: Laguna Paiva, e uma pesquisa no arquivo fotográfico e nos objectos significativos da minha mãe e das minhas tias.

O objetivo do projeto é tornar visível e reivindicar o percurso das nossas mães e avós, a sua luta pessoal e silenciosa até aos dias de hoje, partindo do papel da mulher nos últimos 90 anos e chegando aos dias de hoje.

Compreender a história no presente, para melhorar o futuro.

As novas gerações são muito diferentes da minha geração, da geração da minha mãe, das minhas tias e avós. Mas tenho a certeza de que elas também fizeram parte desta mudança que está a acontecer hoje.

É preciso não esquecer o caminho percorrido, as diferentes formas de luta, e fazer um vai e vem entre o passado e o presente para não perder a essência e o humano, para que o esforço não caia em palavras e imagens vazias.

IRMÃS é um olhar sobre o passado e o presente, centrado em pessoas e acontecimentos reais, com um olhar poético, que procura acrescentar um entendimento palpável, para que cada pessoa o sinta como seu.

Os ficheiros enviados são apenas uma parte do projeto.