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M’kumba

M’kumba é um projeto fotográfico que retrata a resiliência das comunidades afro-brasileiras diante da histórica intolerância religiosa do país. O título vem de uma antiga palavra bantu que designava as reuniões de sábios e líderes espirituais. Com o tempo, devido ao preconceito colonial, o termo foi distorcido pela sociedade brasileira para estigmatizar símbolos, rituais, mitologias e práticas religiosas afro-brasileiras. Essa conotação negativa persiste até hoje.

Por aproximadamente 400 anos, quase cinco milhões de pessoas de origem bantu, iorubá e jeje foram trazidas de várias regiões da África para o Brasil para viver em escravidão. Não apenas perderam a liberdade, como suas práticas espirituais também foram violentamente proibidas ou associadas a forças malignas que precisam ser combatidas. Como resultado, as religiões afro-brasileiras foram criminalizadas em algumas partes do país até a década de 1970, e certas práticas, como o sacrifício religioso, só foram legalizadas pelas autoridades locais em 2019.

Embora sejam legalmente reconhecidas hoje, o racismo religioso persiste. Grupos intolerantes realizam ataques físicos, culturais e políticos com o objetivo de erradicar as influências religiosas afro-brasileiras. Somente em 2024, foram registrados mais de 3.000 casos de violência contra religiões de matriz africana, violência que vem aumentando sistematicamente nas últimas décadas. Por isso, embora 56% da população brasileira se identifique como afrodescendente, menos de 2% se identifica como afrorreligiosa por medo de discriminação ou perseguição.

Como padre em formação e membro de uma comunidade tradicional de Candomblé Nagô Egbá, construo narrativas visuais baseadas nas mitologias da minha comunidade e de outras que visito pelo Brasil. Junto com elas, crio ensaios visuais inspirados em suas próprias visões de mundo para mostrar que essas tradições, rituais e divindades são essenciais no combate ao racismo e, acima de tudo, têm sido pilares na construção da identidade cultural brasileira. Dessa forma, este projeto busca resgatar o significado original e sagrado da palavra M’kumba, como a entendemos em nossas comunidades.